Lúcifer

Satanás

Satanás

domingo, 5 de junho de 2011

Considerações sobre magia negra-Aleister Crowley

Existem em todo ser vivente e, em especial, no homem, forças vivas não utilizadas, e muitas influências não controladas, que podem ser utilizadas em tudo. Energias, que podem ser usadas para vosso beneficio desde agora, e servir para conduzi-los por caminhos de grande sucesso, nos campos afetivo, profissional e financeiro, além da resolução dos mais diversos problemas que se nos apresentam no dia a dia.
Contudo, devo chamar a atenção para as graves consequências, isto se não souber lidar com tais influências, que além de outras coisas nos podem levar à loucura e perdição total.

A magia negra, tal como a magia branca, pode ser usada para bem ou para o mal, conforme a vontade e desejo de cada um através do mago que invocará os mais diversos espíritos, sendo que cada espírito tem a sua função, quer no reino do bem, quer no reino do mal.

sábado, 4 de junho de 2011

Magia Negra-O que é?

Há quem diga, que magia negra ocorre quando a magia é executada para o mal, ou que magia branca ocorre quando é feita para o bem.

Nada poderia estar mais errado.

A magia branca ocorre quando se evocam espíritos de luz, e a magia negra quando se evocam, ou espíritos terrenais, ou espíritos dos mortos.

A magia é branca ou negra, independentemente dos objectivos dessas invocações serem bons ou maus.

A Magia Negra ocorre de cada vez que um feiticeiro invoca um espírito terrenal ou dos mortos, para comunicar com ele e assim leva-lo a produzir um determinado efeito ou realizar um certo objectivo.

Da mesma forma, ( embora muito padres neguem a magia, ao passo que outros a defendem), a verdade é que cada vez que se celebra uma missa, esta-se realizando um ritual de magia branca, pois está-se por certos meios e processos litúrgicos, a invocar , ou o espírito de deus, ou espíritos celestes, para comunicar com eles, ou tentar obter um certo objectivo. No caso da missa crista, o padre acende velas, queima incenso, oferece pao e vinho, tudo isto para invocar um espírito, seja ele o espírito de Deus, ou de um Santo ou de um Anjo. A este tipo de ritual, chama-se magia branca.

Da mesma forma, rituais feitos para invocar espíritos dos mortos ou espíritos terrenais, chamam-se magia negra.

A invocação de espíritos é uma pratica religiosa comum, pois na Biblia está escrito «Deus é espirito», e ao invoca-lO numa missa, está-se invocando um Espirito.
Na Biblia tambem está escrito que os anjos sao espíritos e que Deus tem milhares deles ao seu dispor.

Ao invoca-los numa missa, está-se invocando espíritos para obter um certo fim, como uma bênção. E isso, é nem mais ne menos que: Magia.

A magia negra, ( invocação e contacto com espíritos dos mortos e terrenais para lhe pedir favores), pode ser usada para todos os tipos de efeitos com grande sucesso.
A definição talvez mais frequentemente usada para explicar o que é magia, é:
"A alteração,(com uso ou recurso a forças espirtuais), de realidades, eventos ou situações que, se nada fosse feito e o curso natural das coisas não fosse afectado,
permaneceriam inalterados".

A magia por isso,(seja ela negra ou branca), embora sendo em si um processo místico oculto, é contudo muito objectiva ou pelo menos, possui fins muito tangíveis e palpáveis.

São realizados actos que terão consequências espirituais.
Essas consequências espirituais, irao despertar uma serie de efeitos que irão alterar o rumo dos eventos de uma certa situação.
Tal é feito para alcançar um determinado fim, seja ele conquistar uma pessoa, arranjar um emprego, obter vingança ou até ganhar meios financeiros para viajar ou conseguir o carro dos seus sonhos.

Claro que isso pode ser conseguido de 2 formas:
  • Ou invocando a ajuda de espíritos celestiais
  • ou invocando a ajuda de espíritos de terrenais.
  • ou invocando a ajuda de espíritos de mortos.
Eis o que são estes distintos tipos de espíritos:
Espíritos celestiais
são aqueles que estão mais próximos das realidades celestes e da luz de Deus
Espíritos terrenais
são espíritos mais distantes das realidades celestiais e muito mais próximos da nossa realidade carnal, e que com ela interagem livremente, dela alimentando-se e nela causando reflexos da sua própria natureza terrenal
Espíritos dos mortos
são espíritos de humanos cuja a alma, após a morte do corpo físico, vai habitar para o mundo dos espiritos, ou o «mundo dos mortos».

Disso encontramos prova Bíblica no livro do Apocalipse, quando se fala das 3 realidades espirituais que existem ou seja:
«Céu», «Terra» e «Mundo dos mortos», (Ap 5,3);

No chamado «céu» habitam os espiritos mais iluminados,
na «terra» residem os espiritos terrenais,
e na «mundo dos mortos» habitam as almas daqueles humanos que ja faleceram fisicamente.
A Magia Negra, bem como o Diabo e os demónios, encontram-se previstos na própria lei Canónica do Vaticano, pela que a existência destes fenómenos , ( demónios, magia negra, Diabo, etc), é formalmente reconhecida pela Igreja Crista. 
O Código de Direito Canónico prevê o fenómeno de «Infestatio», ou seja:
a «infestação» de pessoas (infestação pessoal), ou de locais, (infestação local),  por Demónios, bem como regula todo o processo de exorcismo.
O «Rituale Romanum», documento legislativo que se debruça sobre o fenómeno dos demónios, e o mais alto instrumento regulador do processo de exorcismos, é Lei Canónica desde o sec XVII.
O «Rituale Romanum» foi revisto e reformado em 1999 com a bênção do Papa João Paulo II, sendo que nessa ocasião o Santo Papa afirmou clara e inequivocamente que a existência do demónio é real, independentemente de se acreditar ou não nele.
Desde 1456 que magia negra é considerada uma das setes artes magicas proibidas pela Lei Canónica, ou seja: « artes prohibitae»
O nome técnico desta «artes magicae» é na verdade: Nigromancia.
Etimologicamente, em grego «nigro» significa «negro», ao passo que o termo «mancia» designa uma pratica divinatória ou uma ciência oculta.
Por isso, «Nigromancia» significa algo como: «ciência oculta negra», ou «ciência oculta que advêm das trevas».
A «Nigromancia», é sobretudo realizada através da conjuração de espíritos demoníacos ou de espíritos dos mortos, pelo que a «nigromancia» muitas vezes se encontra associada á necromancia .
Associada á «Nigromancia», ( magia negra), esta também o conceito de «Goécia» ou de «Magia Goética».
As artes Goéticas são aquelas praticadas com finalidades lucrativas por bruxos, bruxas, feiticeiros ou feiticeiras.
Bruxas e bruxos realizam assim malefícios, ( bruxarias), a troco de lucro financeiro e  com recurso á invocação de espíritos das trevas ou espíritos de mortos.
A magia negra, (nigromância ou arte Goética), é comummente associada a Pactos demoníacos e á actividade das bruxas.

Quanto á força da magia negra, um dos casos de sucesso mais conhecidos da história ocidental ocorreu em 1680.
Athenais Charente, Marquesa de Montspan encomendou diversos trabalhos da magia negra com o objectivo de se tornar a única mulher a partilhar a cama do rei Luís XIV. As Missas Negras foram executadas, e em resultado a Marquesa acabando conseguindo os seus desejos, tornando-se a mulher mais poderosa do reino, a unica a partilhar o leito com o monarca e mesmo dando á luz 7 filhos do Rei. A condensa conseguiu os seus desejos e a fama deste feito espalhou-se por todo o mundo. Assim, a missa negra popularizou-se no sec XVII, com as famosas missas satânicas do abade Guibourg

Com elas o abade concedeu favores pagos a peso de ouro a quem o procurou. As missas negras invariavelmente estavam associadas a oferendas de sangue, profanação de símbolos cristãos, corpos femininos nus que serviam de altares e ritos sexuais ou mesmo orgias. Aliás, a própria magia Luciferiana é um sistema que centraliza suas práticas na magia sexual e em magia ritualística.

Pela magia negra todos os fins são atingidos: poderosas amarrações, malefícios, maldições, etc.

 Embora não seja comummente reconhecido, a  forma como a Magia Negra aparece descrita nos textos bíblicos, indica que os resultados da Magia Negra são resultados de tipo profético, lançados, por exemplo, na forma de maldições.
Essa maldição,( no caso do trabalho negro se destinar a amaldiçoar alguem), assume a forma de uma profecia, sendo que essa profecia é revelada ao feiticeiro pelo espirito que fez o mal que lhe foi pedido. O espirito do mal revela o que vai suceder de á pessoa atingida pela profecia de magia negra, e essa profecia, ( seja uma maldição, seja outro tipo de resultado desejado), fica assim condenada a cumprir-se.
Essa, profecia de magia negra é cravada no sangue, na carne e na alma dessa pessoa, e vai acontecer a olhos vistos. È assim que a magia negra funciona, e para quem quer saber, consulte atentamente os textos sagrados.

A historia revela-nos alguns exemplos de como funciona e quão poderosa é a feitiçaria negra de natureza profética, assim como as maldições que lança. Senão leia:
Com a autorização do Papa Clemente V, o rei da França ordenou a morte dos cavaleiros Templários. Em 1307, Jacques De Molay, (Grande Mestre da Ordem dos Templários), foi assassinado. Outros 50 cavaleiros templários foram aprisionados em masmorras até á morte e todo o vasto e riquíssimo património da Ordem foi ou saqueado, ou confiscado pelo estado francês, que dividiu alguma parte desse grande tesouro com o Papado.
Nas insalubres e horrendas paredes das masmorras, os Monges da Ordem dos Templários desenharam símbolos místicos e rezaram ferozmente contra o papa Clemente V, amaldiçoando-o com violencia. Nessas paredes foram desenhados símbolos místicos que ainda hoje se podem ver, e que atestam que naquele local de perdição e morte, fortes feitiçarias foram praticadas.
Escusado será dizer que o feitiço resultou e que, pouco tempo depois o papa Clemente V morreu misteriosamente, após ter padecido de atrozes sofrimentos. O rei também se seguiu, morrendo em grande tormento.
 Ambos os homens mais poderosos da Europa , ( e entre os mais poderosos do mundo), não foram mortos nem por guerras, nem por golpes palacianos ou de estado, nem pelos inimigos de outras nações inimigas. Ambos este homens, ( poderosos e bem guardados sob uma inultrapassável protecção militar), morreram ás mãos da feitiçaria, abatidos por visões terríveis e atingidos por atrozes dores.

Na busca pelo poder da magia negra, foram muitas as personalidades históricas que se alega terem realizado pactos com forças das trevas.
Entre essas, encontram-se:

Catarina de Medici, rainha de França,
Marquês Donatien Alphonse François,
O ocultista Cornelius Agripa
Paracelso
Papa Leão o Grande
Papa Honorius
Para Silvestre III
Rei Henrique III

O poder da magia negra é vasto, mas depende dos conhecimentos do feiticeiro que a pratica, assim como do «pacto» que esse feiticeiro fez com a entidade ou entidades espirituais que o assistem nas suas feitiçarias.

A entidade que ajudará o feiticeiro nos seus trabalhos alimentar-se-á do feiticeiro e daquilo que lhe for dado a «comer» pelo feiticeiro, que assim se torna sacerdote dos espiritos.

Com o tempo, o praticante de magia negra tornar-se-á também ele um «espírito de feitiçaria» - Actos Apóstolos 16,16 - e a sua alma transformar-se-á. Após a sua morte, também ele procurará outros feiticeiros de quem se alimentará para ficar perto deste mundo e aos quais concederá, ao mesmo tempo, o sucesso e poder.

Magia Negra,por Aleister Crowley!

O ritual supremo é o alcance do conhecimento e conversação com o santo anjo Guardião.
É a elevação completa do Homem em linha reta vertical.
Qualquer desvio desta linha tende a se tornar magia negra.
Qualquer outra operação é Magia Negra.
Na verdadeira operação a exaltação é equilibrada por uma expansão nos outros três braços da Cruz. Daí o anjo imediatamente fornece ao Adepto forças sobre os quatro grandes príncipes e seus serventes. Há, contudo, muitos tons de cinza. Não é todo Magista que está bem armado com a teoria como o leitor deste livro. Talvez aquele possa invocar Júpiter com o desejo de curar outros de suas doenças físicas. Este tipo de coisa não é prejudicial, não é Mau em si mesmo. Ele originou-se de um erro de interpretação até que a Grande Obra tenha sido realizada.
É pressuposto que o Magista pretenda entender o universo e ditar suas regras.
Apenas o Mestre do Templo pode dizer que ato é um crime, "assassinar aquela inocente criança" (eu ouvi o ignorante dizer) "que horror!!" "Ahh!" respondeu o conhecedor, com percepção da história, "Mas aquela Criança se tornará Nero", "É melhor estrangula-la".
Há um terceiro, acima destes, que entende que Nero foi tão necessário quanto Julio César.
O Mestre do Templo não interfere de acordo do esquema das coisas exceto aquelas que estão envolvidas com a obra que ele foi mandado vir a realizar. Porque ele deveria lutar contra o Banimento, Aprisionamento e a Morte? São todos parte de um jogo do qual ele é o peão.
"Foi necessário o filho do homem sofrer essas coisas e entrar em sua Glória".

O Mestre do Templo não está tão longe do Homem ao qual ele manifesta que todas estas coisas não são de importância para ele. Pode ser de importância para sua obra que aquele homem sente-se sobre um trono, ou seja enforcado; neste caso ele informa seu Magus que exerce a força confiada nele, e age de acordo. Embora tudo aconteça naturalmente, e a todos eles aparece sem uma palavra.
Não será um mero Mestre do Templo, como uma regra, que premunirá agir de acordo com o universo, salvar os seus serventes de seu próprio destino. É apenas o Magus, ele de grau superior, que está ligado a Chokmah, sabedoria, que então ousa a agir. Ele precisa ousar a agir embora ele não goste. Mas ele precisa assumir a maldição de seu grau, como está escrito em "O Livro do Magus".


Há, claro, formas de Magista Negro que não forneçam gotas de seu sangue para a Taça de Babalon, todo poder Mágico é perigoso. Há ainda formas mais degradantes e coisas por si mesmas negras. Tal é o uso de forças espirituais para fins materiais, Cientistas Cristãos, Curandeiros através da mente, adivinhos profissionais, psíquicos e outros do tipo, são todos Ipso Facto Magistas Negro. Eles trocam ouro por lixo, eles vendem suas forças mais elevadas por benefícios temporários. Mesmo que a ignorância do mago seja sua principal característica e não é desculpa, mesmo se a natureza aceitar desculpas, o que ela não aceita.
Se você beber veneno em engano por vinho, seu "engano" não irá salvar sua vida.

Abaixo destes nesse sentido, embora acima destes em outros, estão os irmãos do caminho da mão esquerda. Estes são aqueles que se colocam para cima, que renegam seu sangue para a Taça, que tem destruído o amor pela sua própria grandeza, tão longe quanto o grau de Adepto Exempt, eles estão no mesmo caminho da irmandade Branca, mais até que o grau que seja obtido a meta não é desvelada. Então apenas são bodes solitários, mestres escaladores de montanhas separados das gregárias ovelhas do vale. Então aquele que tem bem aprendido as lições do caminho estão prontos para se tornar distantes, dar sua própria vida para o bebê do abismo que é e não é, eles.

Os outros orgulhosos de seu sangue azul resistem. Eles fazem para eles mesmos uma falsa coroa do horror do abismo, eles agrupam a dispersão de Choronzon sob suas sobrancelhas; eles vestem-se nos robes envenenados da forma, eles se colocam acima, e quando a força que fez o que eles são está exaurida sua forte torre cai, eles se tornam os devoradores do estrume no dia do esteja conosco (para esta frase veja o Líber 418, 4 Aethyr ; Líber 156 V.12; Líber 370 V.6), e seus retalhos jogados no abismo estão perdidos Não apenas os Mestres de Templo que ficam como pilhas de pó na cidade das pirâmides, esperando a grande chama que irá consumir o pó á cinzas. Pelo Sangue que eles têm renunciado, está entesourado na Taça de Nossa Senhora Babalon um forte remédio para acordar o ancião de Tudo-Pai, e redimir a Virgem do mundo de sua virgindade.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

O mito dos vampiros-Caim e Abel

Uma questão que sempre levantou acirrados debates nos círculos estudiosos é a de como a gênese vampírica se vincula ao mito de Caim e Abel. São vários os relatos míticos que tencionam descrever a autêntica origem da linhagem vampírica. Entre muitas culturas, a judaico-cristã também possui algumas versões, mas nenhuma delas está disponível nos textos canônicos. O mesmo processo que filtrou, eliminou e adulterou os documentos produzidos nos meios pré-cristão e cristão primitivo, de tal modo a autorizar os dogmas e doutrinas da ortodoxia católica, também purgou qualquer menção explícita aos vampiros nas narrativas bíblicas. Muito embora a intenção e o empenho da igreja católica fosse o de destruir todos os livros que, de alguma forma, contradissessem a sua compilação diretamente “inspirada” pelo espírito santo, alguns lograram sobreviver e hoje são conhecidos como apócrifos ou escritos proibidos. É num raro e reduzido grupo destes que encontramos os únicos relatos remanescentes sobre vampiros dentro da cultura bíblica. Recentemente a pretensa antiguidade de um livro deste grupo foi negada; estudos históricos e análise de estilo dataram o surgimento do original por volta do século XI. Neste manuscrito, Caim é posto propositalmente como o antepassado mais remoto da linhagem. O intuito disfarçado na elaboração deste livro é compor mais um elemento para a cortina de fumaça que encobre as intenções filosóficas originais das passagens bíblicas. Sendo assim, não merece uma consideração maior.

Meu interesse se volta mais para uma certa versão gnóstica do Livro do Gênese. Esse texto, em sua transcrição copta, foi preservado por uma seita gnóstica cristã minoritária chamada “astanfitas”, pertencente ao mesmo braço herético responsável pelos “ofitas” e “caimitas”. Devido ao número extremamente reduzido de seguidores, esta seita pôde passar incógnita até proximamente o século IX, quanto foi cruel e sigilosamente exterminada nos alvores da inquisição. Antes de assumir suas feições gnósticas, ela fazia parte das dissidências judaicas do período pré-cristão. Surgiu como uma resposta heterodoxa à outra seita cismática que marcou essa época com seu fundamentalismo austero: os essênios. Estes se referiam aos astanfitas como os inimigos da verdade, um título que eles não rejeitavam de todo; já que, revelando notável concordância com os filósofos céticos, pregavam que a certeza é um engano, a dúvida é fundamental; a mente sem ilusão não tem certeza, a inteligência honesta duvida. Mais tarde, resumiriam: “Toda gnose possível é dúvida rigorosa”. A princípio parece um total niilismo e um profundo pessimismo; mas; para eles; uma conduta moral somente poderia ser construída sobre a dúvida alcançada a duras penas. O homem moralmente apto é aquele que pode se responsabilizar por seus atos e um ato é responsável desde que tenha sido executado por livre opção. Contudo, não há o que decidir se a certeza já nos é dada pela verdade. E optar pelo errado não é uma atitude livre, é apenas uma louca inconseqüência. Logo, é legítima somente a decisão que for pautada numa dúvida muito bem estabelecida, pois apenas ela nos provê de opções, a verdade elimina todas. Assim, chegam a um certo humanismo moral, onde desprezam a verdade revelada que tira do homem a responsabilidade por seus atos. A verdade, diziam os astanfitas, produz apenas dois tipos de homens; os imbecis irresponsáveis e os loucos inconseqüentes.

Depois do desaparecimento dos astanfitas, demorou quatro séculos para que surgisse indícios da sobrevivência de algo dos seus manuscritos. Então, na península ibérica, começou a circular, entre os cabalistas, exemplares de textos nitidamente astanfitas vertidos para o árabe. Inafortunamente, nenhuma dessas obras escapou completa do fogo da inquisição, tudo o que nos restou foram poucos fragmentos dispersos, insuficientes para dar idéia geral sobre o que tratava o texto integral do qual provinham. Comentários, inserções e indicações nos tratados de alquimia e cabala do período, quando não são sucintos em demasia, são herméticos em excesso ou propositalmente evasivos.

Após esse breve aparecimento, só no século XX o interesse na gnose astanfita veio a se reacender através de novos e sensacionais achados. Sintomaticamente, duas das mais importantes coletâneas de textos gnósticos vieram à luz em datas quase concomitantes na década de quarenta. Em dezembro de 1945, foram encontrados, num complexo de cavernas no alto Egito, os famosos “manuscritos de Nag Hammadi” que, após superarem mais de trinta anos entraves de todo tipo, puderam contar uma estória diferente do início do cristianismo.

Em março de 1946, foi a vez dos menos conhecidos “manuscritos astanfitas de Hagia Sophia”. Tendo um percurso tão mirabolante e mais antigo que o da primeira descoberta, sua estória começa quando um colecionador, em 1935, doou à igreja de Hagia Sophia, recém transformada em museu, um maço de pergaminhos aos quais não se deu muita importância, pois se tratava na maior parte de homilias e sermões de padres ortodoxos que oficiavam na basílica entre os séculos XIII e XV. Durante mais de dez anos ficaram preteridos no depósito, quando finalmente foi feito um exaustivo trabalho de recuperação, em que as folhas grudadas pelo mofo e umidade foram separadas cuidadosamente uma a uma. Entremeado aos textos eclesiais, encontrou-se um códice em copta com datação mais remota que o restante do material. Era uma legítima compilação astanfita feita provavelmente no quinto ou sexto século.

Quando soube do achado, o colecionador confessou ter adquirido o maço, junto com diversos outros artefatos egípcios, de um ladrão de túmulos no Cairo, pouco antes da primeira guerra. Este lhe contou que os papéis lhe foram passado numa transação arriscada feita com um receptador de Istambul, mas que, antes dele, estiveram em posse de um padre da igreja ortodoxa que, por sua vez, os haviam recebido em confiança de um operário que trabalhou na recuperação de Hagia Sophia após o terremoto de 1894. O vício em ópio, além de outros prazeres mais caros, levou o sacerdote a negociar os documentos com o comerciante desonesto em troca de algum dinheiro que lhe suprisse, pelo menos por uns dias, suas necessidades mais prementes.

Ao que parece, vários dos manuscritos ficaram por muito tempo resguardados da sanha dos inquisidores em recônditos obscuros dentro da sólida construção de Hagia Sophia, sob a custódia de alguns padres simpatizantes ou simplesmente tolerantes da heresia astanfita. Também há rumores de que o faziam em respeito aos projetistas do edifício: o matemático Anthemius de Tralles e o arquiteto Isidorus de Miletus; estes sim – sustentam certas fontes – eram astanfitas praticantes, fato que mantiveram em segredo durante toda vida por razões óbvias. Sobre isso nada podemos afirmar. Seja como for, o encargo foi passado dentro de um círculo restrito de padres, geração a geração. Até que a tomada de Constantinopla pelos turcos no século XV obrigou os padres a esconder, apressadamente, seus livros e documentos em recintos selados, para que não ficassem ao alcance dos pagãos e fossem destruídos. No meio dessas pilhas de papéis ordinários, os manuscritos astanfitas foram inseridos sorrateiramente sem que os outros padres incumbidos da tarefa suspeitassem. A esperança era que logo os invasores seriam expulsos e os documentos novamente recuperados. Tais expectativas não se cumpriram e a basílica não só permaneceu em domínio turco como foi feita mesquita imperial pelo conquistador, o Sultão Mehmet. E assim foram esquecidos por mais de cinco séculos; quando, então, um terremoto abriu uma das câmaras secretas expondo seu conteúdo. A abertura foi descoberta primeiramente por um dos operários que vieram trabalhar na restauração da igreja. Visando obter algum lucro no comércio ilegal de antiguidades, ele extraviou uns poucos pacotes de escritos, enquanto pode manter oculta a passagem para a cela. Quando, no canteiro de obra, começaram a desconfiar de seus estranhos pacotes, supondo que logo seria despedido, lacrou de vez a passagem, pensando poder voltar assim que a situação fosse esquecida. Nesse meio tempo, deixou seu espólio sob guarda de um padre que era seu conhecido para não levantar suspeitas. Seu azar foi que o tal padre não tinha uma vida tão devota e estava sempre desesperado em busca de dinheiro para sustentá-la. Logo, não demorou muito para cair na tentação e vender todos os pacotes no mercado negro de itens antigos. Ele não poderia imaginar o quanto antigos eram os documentos e que valiam bem mais que as garrafas de absinto e a noite de satisfação carnal. Contudo, não tardou para que todos os seus problemas fossem definitivamente resolvidos; o operário, ao saber que mais nada restava, apunhalou o padre e fugiu. A sorte do fugitivo não melhorou, o padre tinha irmãos menos tementes a deus, que o emboscaram e mataram alguns dias depois.

Depois do relato feito pelo colecionador, começou-se as buscas pela cela secreta e ela foi encontrada. Passou-se, então, ao tedioso trabalho de recuperação e, no seu decorrer, outros textos astanfitas foram surgindo paulatinamente. Entre eles, algumas preciosidades como um evangelho desconhecido e que nem mesmo estava presente na biblioteca de Nag Hammadi. Enigmaticamente, em sua primeira linha lê-se: “Estes são os relatos feitos por Lásarus, o primeiro vivo, sobre Jesus, o segundo vivo”. Outros são conhecidos por Nag Hammadi ou outras fontes, mas designam autores diferentes. É o caso de certos livros, cuja autoria sempre foi dada a João, que aparecem atribuídos a Lásarus, o primeiro vivo. Esse Lásarus evangelista, discípulo e depois mestre de Jesus confunde os pesquisadores imensamente. Nos evangelhos canônicos, ele é apenas o rapaz ressuscitado, irmão de Marta e Maria. Talvez “primeiro vivo” derive do fato de ter precedido Jesus na ressurreição do corpo. O seu evangelho astanfita diz explicitamente isso, mas também revela que a ressurreição foi apenas aparente; já que, efetivamente, eles jamais chegaram a morrer. Nos seus termos:

“A ressurreição só é possível enquanto ainda não sobreveio a morte física. O fruto da arvore da vida é para ser comido pela carne e quem assim o saborear ressuscita e passa a ser um ‘vivo’ como Jesus e, antes dele, Lásarus”.

Tudo isso é muito interessante, todavia estamos nos desviando de nosso tema. Haverá outras ocasiões propícias para retomarmos a esse assunto instigante. No momento, devemos nos ater a uma obra magnífica e sem precedentes revelada entre os manuscritos de Hagia Sophia. Nunca houve qualquer citação sobre ela, tudo que lhe dissesse respeito foi sumariamente destruído. Parece que até mesmo os monges de Nag Hammadi a rejeitaram ou a desconheciam. Nem os detratores da heresia gnóstica que existiram dentro da patrística – normalmente os responsáveis por sobreviver alguma memória dos textos que atacavam e, por paradoxal que pareça, sem eles a existência de certas concepções não ortodoxas seriam completamente varridas da História – ousaram mencioná-la uma vez que fosse. Era como jamais tivesse sido escrita até as descobertas de Hagia Sophia. Talvez os padres da igreja tenham pensado que era mais sensato e prudente omitir comentários e não chamar atenção sobre ela, deixá-la obscura e restrita como estava, não deviam salientar qualquer aspecto de seu conteúdo, até tachá-la de apostasia imperdoável seria conceder-lhe uma importância perigosa. Neste caso, julgaram que o melhor era calar e proceder, sem aviso e demora, uma devassa permanente para busca e apreensão de todas as cópias que surgissem, as quais seriam lançadas ao fogo de imediato. Felizmente, os astanfitas eram poucos e astutos, não se revelavam com facilidade e suas condutas não os denunciavam. Além de tudo, eram muito estimados, pois se destacavam em diversas das artes e ciências da época, inclusive assumiam posto de responsabilidade dentro do império e, mais tarde, na própria igreja. Graças a essas providenciais peculiaridades, um pergaminho contendo uma inspirada versão alternativa do gênese bíblico chegou aos nossos tempos.

Os historiadores catalogaram esse códice com o título de “O Livro de Astanfeus”, já que Astanfeus, um dos sete anjos da criação, é o protagonista da trama narrada no manuscrito. A sua epopéia inicia-se precisamente no trecho bíblico encontrado em gênesis 3:22 nas bíblias atuais e relata sua contenda com Iaodabaoth, outro anjo da criação; metáfora para o conflito eterno entre liberdade e tirania. O sentimento filantrópico nutrido por Astanfeus o levará a defender o homem contra os desmandos megalômanos de Iaodabaoth. Sua interferência se faz, a princípio, através de Eva, pois só ela lhe podia ouvir, isto porque a sensibilidade de Adão foi totalmente embotada pelo domínio que Iaodabaoth exerce sobre a aparência. Astanfeus passa, então, a incentivá-la para que compartilhe com seu parceiro o fruto interdito do conhecimento do bem e do mal, assegurando-lhe que não iriam morrer como sentenciou o anjo que lhes dizia ser um deus único. E, além disso, seus olhos se abririam, o que os tornaria iguais aos anjos. Sua investida surtiu efeito e o fruto foi consumido, o que desagradou profundamente Iaodabaoth, fazendo-o exigir a expulsão do casal humano do éden, para evitar que também usufruíssem da árvore da vida. Todavia, sua moção não foi acatada pelos outros seis anjos da criação; os elohim, o próprio Astanfeus sendo um deles. Enfurecido, Iaodabaoth se volta contra os humanos, persuadindo-os de que nada havia mudado; continuavam a ser as mesmas criaturas indefesas de antes, só que agora estavam eternamente marcadas pelo pecado da desobediência e da soberba de desejarem ser deuses, tornando mister que sofressem uma severa punição: o exílio.

Prefigurando uma notável ingenuidade, eles aceitam as manobras ladinas do anjo contrariado em seu amor próprio. É voluntariamente que se submetem e se humilham a um poder que já não possuía controle sobre seus destinos. E por que fizeram isso? Qual a razão de tal disparate? O texto delata uma cumplicidade tácita entre os dois lados dessa relação de poder. Evidencia que os pais da humanidade não foram enganados, nem poderiam ser; o fruto do conhecimento havia lhes concedido clareza de espírito suficiente para flagrar qualquer tentativa de logro. O que choca é concluir com o autor que eles deliberadamente se deixaram enganar. E isso não é a mesma coisa, está muito longe de ser. Inadvertidamente, usa-se um conceito pelo outro sem considerar a inversão que ocorre entre agente e paciente do dolo. O logrado aqui, no fim das contas, é Iaodabaoth que tomou como sincera a crença depositada em suas palavras.

A que leva e qual a motivação desse estranho jogo de interesse? Depois que conheceram o bem e o mal, Adão e Eva se encontram numa situação semelhante a que passaram antes de comer o fruto. Na ocasião, nada havia que lhes desse certeza de qual dos dois anjos estava certo e, sendo honestos consigo mesmos, esse ponto ainda permanecia incerto; já que Iaodabaoth sentenciou que morreriam, mas não disse quando. Mesmo assim, tomaram uma decisão e declinaram em favor de Astanfeus. Comido o pomo da discórdia, descobriram que o esclarecimento não lhes trouxe a verdade, nem resolveu inteiramente o certo do errado; o que fez foi refinar, de modo extraordinário, a dúvida; paradoxalmente tornando-a algo líquido e certo. O bem e o mal se confundem, se mesclam, permutam incessantemente, variam de acordo com as circunstâncias, são recíprocos de uma mesma inteireza, um consubstancia o outro, entre eles há uma mútua afirmação e uma alternância cíclica de feições. Nessa dança interminável, as alternativas estarão sempre sendo geradas, as escolhas irão se sucedendo a cada passo. O primeiro casal humano percebeu, aturdido, que não lhe seria exigido apenas mais uma decisão; encadeadas a esta viriam várias, uma após outra até o fim da vida que pudessem ter. Vislumbraram uma existência repleta de livres opções e responsabilidade por cada ato. Se a primeira decisão não havia sido fácil, imagine enfrentar isso a todo momento e para sempre. Diante de Eva, Adão pondera:

– De que nos adiantou ter os olhos abertos, enxergamos em detalhes e minúcias o que antes era plano e compacto, abandonamos uma imagem simples e imediata de tudo que era exterior a nós por uma complexa compreensão que não delimita fronteira entre o dentro e o fora. Agora, podemos antecipar que nosso futuro não está previsto, são muitas as possibilidades e nenhuma garantia é possível; o dia seguinte se tornou uma bela esperança. Essa liberdade exasperante que devemos exercer cotidianamente nos será cobrada com mais e mais necessidades. Quanto mais se amplia a potência de nossos atos, mais aumenta nossa responsabilidade pelas conseqüências. A partir do fruto, se não assumirmos e suportarmos esse peso, não nos consideraremos dignos, nem razoáveis. Perdemos totalmente a capacidade de acreditar no quer que seja, sempre conseguiremos ver outras alternativas e, então, fazer mais uma escolha será inevitável, como a responsabilidade dela decorrente. Nunca escaparemos desse destino repleto de opções angustiantes, sempre seremos levados a tomar decisões cruciais e dolorosas. E tudo isso, toda essa demanda valerá a pena? Qual recompensa receberemos pelo extremo esforço? Também sobre isso nada é certo. Nosso discernimento recém adquirido não sustenta um só sentimento de segurança.

– Talvez, Eva, fosse melhor para nós devolver esse dom ingrato. Voltar a fechar os olhos como antes e esquecer tudo que vimos. Apaguemos de vez essa clareza de espírito. Se nos recusarmos a usá-la, ela deve desaparecer com o tempo. Com isso, a jogaremos no olvido junto com todo o resto. Façamos, Eva, com que nossa segunda decisão seja a última. Na primeira, eu te segui e demos ouvidos à serpente; eis que este é o momento de tu me seguires e ficarmos ao lado do Senhor Nosso Deus. A dádiva do fruto que nos trouxe infortúnio também nos mostra a alternativa para escaparmos dele. Argúcia e inteligência não nos convêm, nada mais que sofridos dilemas advirão deles. Como criaturas estúpidas, poderemos voltar a crer em Deus e ficaremos despreocupados em Seu regaço, livres de qualquer responsabilidade.

Eva se deixa convencer e capitula diante de Iaodabaoth para acompanhar Adão no desterro. Aceitam de bom grado o injustificado sentimento de culpa que o demiurgo lançou sobre eles. E obedecem cabisbaixos a ordem para que abandonem o éden e se confinem numa distante caverna nas terras ocidentais.

Nesta escura caverna, Eva gesta e dá luz a Caim (aquele que possui a si mesmo) e Luluva, as metades máscula e feminil do primeiro filho do homem, cuja fecundação se deu no meio do éden em pleno efeito do fruto do conhecimento. Já Abel (vaidade) e Aclia foram fecundados na clausura e no alheamento. Assim, no tempo das origens, o humano nascia, na aparência, com suas partes masculina e feminina separadas em irmãos gêmeos, destinados a se religarem no enlace sexual e recompor o hermafrodita primordial. Entretanto, isso jamais esteve nos planos de Iaodabaoth, pois a imagem humana dividida em dois sexos foi propositalmente concebida por ele, um premeditado arranjo para tornar o homem mais vulnerável ao seu aliciamento. Então, para impedir que a reunião se consumasse, convence Adão e Eva de que os casais deveriam ser prometidos trocados.

Caim e luluva crescem inconformados com a situação injusta a que seus pais estavam sujeitos. Chegaram cedo à convicção de que não precisavam, nem deveriam, adorar Iaodabaoth como deus único. Logo perceberam que era uma entidade insidiosa e com um hipertrofiado conceito de si mesmo, apenas preocupada em alimentar uma vaidade insana. Contrariando Adão e Eva, recusaram-se a louvá-lo, repudiaram seus caprichos, não aceitaram a condição de servos tementes, pois sabiam que ele dependia da anuência de suas vítimas para tocá-las. Mesmo com as imprecações ouvidas de seus genitores, viviam fora da caverna em peremptória e intencional ignorância às determinações do deus de seus pais. Mas não só deles, também seus irmãos Abel e Aclia se converteram em fiéis seguidores e condenavam o modo de vida que adotaram, que consistia em explorar as extensões dos campos ao redor, coletando vegetais e frutas, aprendendo os mecanismos da natureza. Despertaram suas mentes para o céu e o passar do tempo. Descobriram padrões e correlações, intuíram leis benéficas no crescimento dos vegetais, aprenderam técnicas de sobrevivência com os animais. E tudo isso os levou às artes e às ciências. Enquanto seus irmãos enveredaram por outros caminhos; confinaram os animais fora de seus habitats, cevando-os para abate, impondo-lhes ritmos de vida artificiais.

Os fragmentos em árabe deste texto que foram preservados apresentam pequenas discordâncias, em relação ao pergaminho astanfita, quanto à descrição de como foi efetuada a oferenda de Caim e Luluva. No códice, nem mesmo há oferenda, eles se recusam terminantemente em prestar qualquer homenagem àquele deus que tanto desprezavam. Nas versões em árabe até encetam a oblação, cedendo às suplicas dos pais, contudo o desfecho dado vai se modificando nitidamente em cada fragmento. Em exemplares mais tardios, a oferta é mínima, suficiente para não ofender um certo senso de desperdício que não conseguiram negligenciar; enquanto nos de datação mais remota, foram mais radicais e, desistindo na última hora, retiram tudo, ignorando peremptoriamente os apelos e admoestações dos pais e dos irmãos.

Não importa o quanto essa atitude foi minimizada nas versões árabes, a ira despertada em Iaodabaoth é irretocável. Não podendo atingi-los diretamente, nutre a vaidade de Abel e fomenta nele uma crescente desconfiança contra o irmão. E conduz a intriga num estilo que em muito antecipa o Iago no Othelo de Shakespeare:

– Abel, tu bem sabes que te amo tanto quanto a teus pais, que tuas oferendas me são agradáveis e as recebo com júbilo. Tu mereces toda minha deferência, mas teu irmão é o oposto de ti, rejeitou a verdade que te dei de bom grado e enfrenta a dúvida e a incerteza a cada dia. Ele não ouve as súplicas de teus pais e me odeia por puro orgulho, nada fiz contra ele para justificar essa má vontade e não retribuo o mesmo sentimento. Nunca neguei a ele o justo poder que permito a ti que exerças sobre a natureza, através dos animais que criei para te servir e aplacar tua fome. Mas não, por birra, ele prefere se sujeitar aos caprichos da natureza para se alimentar de vegetais ao invés de reinar sobre ela. Fiz-te forte e robusto por meio do que comes, enquanto ele ficou fraco e frágil devido ao seu alimento pobre; não é como um homem deveria ser; o vigor sanguíneo de teu rosto não se compara à tez pálida de teu irmão. A jovial beleza que possuis contrasta com a sobriedade pedante desse primogênito arredio. Talvez eu espere demais de quem é fruto do pecado de teus pais, que foi gerado na desobediência de minhas leis. Muito diferente és tu; filho do amor puro e casto, vieste à luz graças ao enlace que perante mim foi consagrado e comprometido. Bem-aventurado, então, foi teu nascimento e eu o abençoei e permaneci ao teu lado todos os dias de tua vida e jamais te abandonarei. Porém, teu irmão sempre se afastou de minha presença, seduzido por palavras evocativas e sibilinas repudiou minha guarda e proteção. Mesmo se impondo por arrogância, não pode esconder que seu desejo mais profundo é, na verdade, usufruir a intimidade que compartilhamos. Todo o desdém é dissimulado; apesar das recusas enfáticas, ambiciona secretamente todas as dádivas que te concedi. E assim, porque me importo com tua segurança, alerto-te para que te acauteles contra teu irmão. Porque me amas, logo Caim passará a te odiar como odeia a mim. Ele, agora, está enfurecido e rebelou-se totalmente contra meus desígnios. Aviso-te para que saibas: ele inveja-te mais do que nunca depois que te favoreci; reluta em aceitar minha decisão de fazer tua prometida a mais bela das irmãs. A obsessão por Luluva o está consumindo e há intenções hostis em seus gestos. És o predileto de teu Deus e não quero que sofras pelos atos de teu irmão, portanto previna-se contra a violência que ele poderá perpetrar. Tu conheces a morte, a tens provocado com tuas próprias mãos. O que ainda não te dei a conhecer é que não só os animais morrem; no exílio, também o homem morre. Ciente disto, tu perceberás que, em certos momentos, devemos nos antecipar ao mal para que ele não prevaleça.

Bem, o que se seguiu a isso é fácil prever. Abel, temendo a morte nas mãos de Caim, se antecipa e tenta matar o irmão usando seu instrumento de trabalho, ao que ele se defende por puro instinto de sobrevivência e ambos vão ao solo. Não conseguindo conter a fúria do irmão e no afã de o fazer parar, Caim reage reflexamente e desfere um golpe na cabeça de Abel com o que, no momento, estava mais ao alcance de sua mão; uma pedra. Abel tomba para o lado, mortalmente ferido, agoniza e morre. Caim se levanta atônito diante de uma visão que não pôde conciliar; olha o corpo inerte e sanguinolento e não reconhece, nele, seu irmão. Ele havia desencadeado um processo que, de um instante para outro, transformou algo vivo numa massa bruta e sem identidade. Sentia que era uma situação muito grave e, talvez, irreparável. Mas, transtornado, não queria pensar que fosse assim, freneticamente buscava em sua imaginação meios que pudesse reverter os fatos. A lembrança mais reconfortante que lhe ocorreu foi das sementes germinando do solo. Coisas inertes postas sob a terra úmida brotavam para a vida. O mesmo poderia suceder se, literalmente, plantasse aquilo que fora seu irmão. Com esse pensamento, cavou desarvoradamente o solo e na cova acomodou o cadáver, cobrindo-o com a terra solta. Contudo, não se tranqüilizou, sabia: algumas sementes não germinam. Apesar da dúvida, decidiu que nada mais poderia fazer senão esperar. Foi quando ouviu a voz que vem em silêncio lhe inquirir:

– Caim, onde está Abel, teu irmão?
– E logo tu, que deverias saber, me perguntas?

Lógico que sabia; Iaodabaoth perguntava apenas por intimidação. E, ainda a pouco, estivera com os Elohim pedindo para que intercedessem por Abel; primeiro, que lhe restituíssem a vida e segundo, que punissem severamente Caim por seu crime inominável. Ao primeiro disseram: “Há limites a todo poder: a vida é como a água que derrama do vaso partido no solo seco; é possível restaurar o vaso, mas a mesma água não poderá ser reposta”. Ao segundo deliberam que qualquer pena seria injusta: “Posto que nem Caim, nem Abel podem ser responsabilizados pelos seus atos; pois ambos foram privados de opção: A Caim, o ímpeto de sobreviver tirou todas e a Abel, tu não deixaste nenhuma”.

Porém, de nada disso tinha conhecimento Caim e prosseguiu afrontando o demiurgo em seu total estado de transtorno:

– Por certo, não és tu o guardião de meu irmão? Não era teu o compromisso de o proteger de todo mal? Pois, não o protegeste contra mim e agora jaz sob o solo que piso. Minha esperança é que a terra que dá vida ao trigo o faça renascer. Então, por que não mostras o quanto és poderoso e lhe devolves a vida que tirei?

Caim só tentava mais uma solução desesperada para seu drama pessoal, todavia Iaodabaoth encarou aquilo como um desafio; fora profundamente atingido em seu orgulho, não poderia deixar que uma criatura tão inferior o desacatasse assim. Movido pela arrogância e o despeito, Iaodabaoth comete a mais hedionda das ofensas à vida; desrespeita a morte e macula a inocência de um cadáver ao tocá-lo para reanimar seus membros. Tal intenção desnaturaliza sua existência e o torna um elemento estranho para a terra que o acolhe. E, então, num espasmo, ela expele o corpo de Abel de volta a superfície. Perplexo, Caim tem novamente o irmão morto diante de si. Intrigado levanta os olhos e interroga seu interlocutor divino:

– O que estás fazendo, queres brincar com a minha inquietação?
– Não, apenas estou respondendo ao teu desafio e pondo a prova tua descrença.
– Mas ele não se move, ainda o sinto morto. Nada fizeste senão desfazer meu trabalho. Oh, deixa-nos em paz e volta para tuas alturas.

Caim voltou a enterrar Abel na mesma cova e, de novo, o solo fértil recusou-se a recebê-lo em seu seio. Por três vezes Caim tentou devolver o irmão ao úmido útero da terra; ela, entretanto, em todas as tentativas o lançou fora. Na terceira, toda a criação é violada; os olhos de Abel se abrem e o irmão vivo fica mortificado. Nada mudou, é a mesma massa bruta despersonalizada, algo tão apavorante quanto uma pedra que abrisse, de repente, olhos que nunca tivera. O coração de Caim gela quando o irmão, que ainda sente morto, lhe pede, numa voz sumida, para levantá-lo dali, afastá-lo da terra calcinante que queima dolorosamente suas costas. Caim atende e ao erguê-lo percebe que a pele dele está cheia de ulcerações. De pé, Abel começa a se recompor, lança um olhar desvairado para o irmão e diz em tom de contrito lamento: “Tenho fome, muita fome, tanta fome que não penso em mais nada senão em satisfazê-la”. Dito isso, sai, sem aviso, correndo a esmo entre os arbustos até avistar uma presa; num rompante, salta sobre ela e a captura. Com uma expressão de extasiado deleite, mostra o desafortunado animal ao irmão, aperta-o sofregamente entre as mãos e crava os dentes em seu pescoço; em vão ele se contorce e guincha, mas seu sangue jorra e é sorvido avidamente pela boca crispada. Terminado, a carcaça totalmente exaurida de seus fluídos é largada ao chão como um bagaço de fruta chupada. Ato contínuo, o corpo revivo de Abel entra num frenesi convulsionado e, quando cessa, vasculha freneticamente ao redor, ansiando por mais. Assim, se põe a cata de novas vítimas e afasta-se rapidamente do irmão. Caim, terrificado, não tem coragem de ir atrás dele e o deixa à sua sorte. Já presenciara vários predadores em caça, porém nada visto era comparável ao que acabara de assistir, algo excessivamente doentio passara a habitar o corpo de Abel.

Sem alternativa, outra vez volta-se para a voz desincorporada e indaga sobre o que era aquilo:

– O que fizeste ao meu irmão? Não foi vida que lhe reenviaste, mas apenas movimento ao corpo. Ele é um morto que aparenta estar vivo. Algo medonho e abominável criado por mero capricho.

– Como ousas julgar minhas ações. Os meus motivos estão muito além do teu entendimento. Antes de eu criar a vida de aparência, tu criaste a morte de fato. Somos cúmplices nesse horror que se espalhará pela terra. A descendência de Abel proliferará entre os homens, enquanto a tua será apartada da humanidade, proscrita do convívio de seus próprios semelhantes, rechaçada onde quer que vá.
– Como tua maldição poderá se cumprir? Como conseguirão distinguir minha descendência das demais?
– Há uma marca indelével em ti que passarás, inapelavelmente, para todos de tua linhagem.
– Eu não tenho marca alguma e não deixarei que me marques como Abel marcava seus animais!
– Não preciso marcar a ti. Será na humanidade que infundirei a minha marca, um selo que não poderás, nem desejarás, simular. Deste modo, tu e tua descendência é que estarão marcados, justo por não possuírem marca alguma.

Iaodabaoth, imprudentemente, havia reconstituído o vaso: mas um vazamento permaneceu e toda a água nele posta não seria contida por muito tempo. O demiurgo deu a luz a um ser desviante, vazio de vida. Partejou um aborto da natureza que sobreviverá absorvendo a vida de outros. O que é bem diferente dos seres naturais que consomem a matéria para alimentar a vida que lhes é própria.

Bem, é isso. Já me estendi demais nesta resenha. É o que basta para apresentar a gênese mística dos vampiros dentro de uma perspectiva de origem judaica, como havia proposto. E se você achar tudo isso surpreendente demais, lembre-se que a história é escrita pelos vencedores. Quanto aos que insistem na prosaica pergunta: “Então, está é a verdade?”; responderei como faziam os astanfitas: “Não, apenas faz mais sentido!”.

Os 10 Vampiros que desconheces

Vampiros Existem? Depende para quem você pergunta. Se for para um cético ele vai citar o famoso livro de Bram Stoker e talvez alguns menos famosos, mas não menos importantes para a construção do mito como por exemplo “Não desperte o morto !” de Ludwig Tieck e vai tentar te convencer que tudo não passa de besteira.

Mas se você perguntar para alguém que ainda acha que velho e surrado planeta ainda guarda alguns mistérios você pode ser soterrado por uma avalanche de informações sobre tipos de vampiros – a saber, os mortos-vivos, os vivos e os psíquicos – e vai ficar sabendo de algo intrigante: há relatos sobre vampiros em várias culturas ao redor do globo terrestre, das Américas ao Japão.

Aí, se você colocar o cético e o crédulo frente a frente o cético vai rebater que isso não prova nada, só que o sangue tem grande importância no inconsciente humano e que até hoje esse vínculo permanece, por exemplo, na importância do sangue de Cristo para a remissão dos pecados entre os cristãos.

Já meio enfurecido, o crédulo poderia rebater que existem histórias reais de vampiros, como a da condessa Elisabeth Batory – sobre quem pretendo escrever um post detalhado qualquer dia desses – ao que o cético com certeza vai responder que a nobre húngara nada mais era do que uma sádica lésbica. Desse ponto em diante, os argumentos dos dois lados podem ficar confusos e, dependendo do temperamento de ambos, eles podem sair no tapa. Ou as duas coisas simultaneamente. E aí você vai ficar mais confuso ainda do que estava quando fez a pergunta.

Para resolver esse problema Depokafé, num esforço de reportagem que incluiu ler o maçante (mas rico em informações) livro Lendas de Sangue – O vampiro na história e no mito e navegar por incontáveis websites sobre vampiros compilou uma lista com os dez tipos (ou espécies, se você preferir) mais interessante de vampiros ao redor do mundo. Assim você poderá destilar toda a sua cultura inútil para seus amigos. Ou ainda ficar prevenido caso goste de viagens internacionais. Nunca se sabe, não é mesmo ?

1 – Pijavica
País de origem: Croácia.

O que causa o vampirismo: Incesto.

Como se livrar dele: Decapitação (mas cabeça tem que ser colocada entre as pernas antes de enterra-lo novamente).

2 – Vlkoslak, Mulo ou Dhampir


País de origem: Sérvia.

O que causa o vampirismo: Incesto (é, esse assunto é tabu).

Como se livrar dele: Cravar um prego na cabeça, pescoço ou umbigo (eu ouvi alguém aí falar em chacras ?).

3 – Strigoiul ou Moroiul

País de origem: Romênia.

O que causa o vampirismo: ser um filho ilegítimo de pais também nascidos fora do casamento (naquela época devia ser raro, se fosse hoje em dia…).

Como se livrar dele: Golpear o coração com uma estaca de madeira ou cravar um prego na cabeça, pescoço ou umbigo.

Na Romênia existe ainda a distinção entre os vampiros mortos, chamados de Strigoiul Morti, e os vampiros vivos, os Strigoiul Vii, que eram bruxos que abandonam os seus corpos para vampirizar psiquicamente as suas vitimas.

4 – Vrykolaka

País de origem: Macedônia

O que causa o vampirismo: Ritos fúnebres não eram seguidos corretamente ou quando uma criança não batizada morria.

Como se livrar dele: Cravar um prego na cabeça, pescoço ou umbigo.
 

5 – Upior ou Upyr

Países de origem: Rússia e Polônia

O que causa o vampirismo: Ser filho de uma bruxa ou lobisomem ou nascer com dentes. Ou ambos, suponho.

Como se livrar dele: Golpear o coração com uma estaca de madeira, mas somente uma vez. Se fosse golpeado mais de uma não faria efeito.

Métodos de prevenção: Enterrar o suspeito de ser vampiro de bruços, para que ele ficasse cavando eternamente para o lado errado (engenhoso, não ?) ou pegar o sangue do suposto vampiro, misturar na massa do pão e comer (blergh !).

6 – Langsuir

País de origem: Malásia.

O que causa o vampirismo: mulheres que morriam de parto após darem a luz a um nati-morto.

Como se livrar dele: Cortar os cabelos e as unhas e os enfiar num buraco que elas tem atrás do pescoço.

7 – Adze

País de origem: Gana.

Particularidades: Assume a forma de um vaga-lume (!!!). Se alimenta de sangue de crianças, azeite de dendê e água de coco. Ele se daria bem na Bahia, como vocês podem perceber. Outro tipo de vampiro ganês é o obayifo que tem o poder de estragar as colheitas.

8 – Brahmaparush

País de origem: Índia.

Particularidades: Na Índia há tipos de vampiros para todos os gostos. Existem inclusive deuses vampiros. O Brahmaparush entrou para a lista porque é particularmente aterrador pois bebe o sangue das vítimas pelo crânio e depois come seus cérebros, sendo assim uma espécie de vampiro e zumbi.

9 – Danag


País de Origem: Filipinas

Particularidades: O Danag tem uma lenda interessante a seu respeito. Conta-se que foi aliado do homem até o dia em que uma mulher (sempre elas) cortou o dedo perto de um deles e ao provar o sangue humano ele se tornou obcecado por sangue. Nas Filipinas há ainda o Aswang, que se alimenta exclusivamente do sangue de crianças.

10 – Talamaur


País de origem: Austrália

Particularidades: Caso raro de vampiro vivo, extrai qualquer força vital residual ainda existente em um cadáver recente. Na Austrália há também o Yara-mara-yha-who, uma criatura pequena que saltava sobre as suas vítimas e sugava seu sangue através de ventosas nas pontas dos dedos.